Estórias da... Historia
Hienas
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Afonso de Melo
Falemos ainda um pouco
mais sobre Alfredo Di Stéfa-
no, idolo de Eusébio, um
dos maiores entre os maio-
res, tao recentemente desa-
parecido. Recordemos a sua
passagem pela Colombia.
Em 1948, a Colombia ainda era demasiado
longe para a gente saber disso. Pelo que
importante recorda-lo. Di Stéfano merece
1. Hé dez anos que as hienas rosnavam na
sombra. Esperavam ver Scolari cair para
lhe morderem as canelas até ao osso. As
hienas do nosso futebol sao curiosas. Bar-
ricam-se por detras dos ecras de televisao,
de paginas de jornal. Sao médicos, bêba-
dos, cangonetistas desafinados, velhacos
da mé lingua, copiadores de livros alheios,
cabegudos sem escrüpulos. Hé de tudo.
Menos honestidade intelectual porque isso
nao Ihes vale os cobres com que alimen-
tam os luxos. giro vê-los. A mais pequena
amostra de sangue saltaram para a arena
na perseguigao da sua vitima. Cheios de
coragem, agora que ela nao pode dar-lhes
pontapés nos focinhos babosos.
2. Por falar em focinhos: a fïdelidade
humana consegue por vezes ser maior do
que a canina. Ao folhear um jornal, depa-
rei com o curioso personagem chamado
António dos Santos Reis, presidente da
junta de ffeguesia de Ramalde, presidente
da Beneficência Familiar e também da
Cooperativa de Ramalde, entre outras
ninharias. Recusou-se o senhor em causa a
receber um galardao que lhe foi atribuido
pela Camara Municipal do Porto, vé lé a
gente saber a que titulo. E justificou a ati-
tude como solidariedade com o presidente
do FC Porto, dando-se ao luxo de assinar
uma missiva em que dizia o seguinte pelo
meio de vérias babugeiras: «Os altos valo-
res, principios morais e ideológicos que
me sao inatos, nao me permitem aceité-la
Isto dos altos valores e dos principios
morais e ideológicos como a égua-benta:
cada um toma a que quer. Mas que jé vi
altos valores e principios morais e ideoló
gicos mais altos e mais bem empregues,
isso jé vi. E menos caninos.
Uma bola no meio do «Ballet Azul»
Di Stéfano. O idolo de Eusébio. Vou
falar sobre ele mais um pouco, se o
leitor que faz o semanal sacrificio de
me Ier, da licenga. Di Stéfano foi
ünico, por isso merece. E a sua vida
cheia de aventuras.
Vamos até a Colombia, em 1948.
Em 1948 o Mundo era ligeiramente mais
pequeno do que hoje. Em 1948, o que se
passava na longinqua Colombia só chegava
aos ouvidos da Europa se viesse em forma de
bula papal, ou coisa que o valha.
Agora ja nao bem assim. Desde que a
televisao queira, sabemos neste preciso
minuto, tudo o que se passou na Colombia
ha, digamos, 10 centésimos de segundo. Se a
televisao nao quiser, sabemos na mesma,
embora tenhamos düvidas sobre autenticida-
de dos acontecimentos. De qualquer forma,
e mesmo que a televisao queira, nunca temos
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bem a certeza sobre a autenticidade dos
acontecimentos.
Em 1948, na Colombia foi assassinado o
lider de esquerda, Jorge Elicer Gaitan, em
Bogota. O pais mergulhou em dez anos de
insurreigao e criminalidade: um periodo
conhecido por «La Violencia». Mais de 200
mil mortos. No seu castelhano musicado, os
colombianos chamaram a esse dia 9 de Abril
de 1948 «El Bogotazo». Exactamente. E ainda
faltavam dois anos para o «Maracanazo».
Em 1948, na Colombia, as coisas torna-
ram-se um pouco confusas. Em todos os
aspectos. O publico colombiano tornou-se
tao louco por futebol como os seus colegas
do Brasil, da argentina ou do Uruguai. E os
clubes colombianos entraram numa febre
consumista sem paralelo na história do jogo.
Alfonso Senior Quevedo: fundador do
Clube Millionarios de Bogota, foi igualmente
o criador da Dimayor, em finais de 1947.
Dimayor: a primeira liga profissional colom-
biana, a primeira liga profissional a nao colo-
car restrigöes a utilizagao de estrangeiros. O
argentino Adolfo Pedernera foi a estrela que
abriu o caminho, assinando pelo Millionarios.
Cinquenta outros argentinos firmariam, na
semana seguinte, contratos com clubes
colombianos.
No centro de «La Violencia», o futebol, na
Colombia, era uma festa. Chamavam-lhe o
«El Dorado».
Ha tanta coisa para escrever sobre o El
Dorado que dava um livro. Fiquem descansa-
dos: nao sera um livro. Mas nao prometo que
para a semana nao volte a falar no assunto...
Ou que, pelo menos, nao volte a falar de Di
Stéfano.
Voltemos ao Millionarios: eis que chega Di
Stéfano, vindo do River Plate. E o uruguaio
Hector Scarone, treinador campeao do
Mundo em 1930. E Nestor Rossi, Hector
Rial, Antonio Baez, Reinaldo Mourin, Pedro
Cabillón, Alfredo Castillo, Tomas Aves, Julio
Cozzi, Raül Pini e Hugo Reyes, todos argen
tinos. Pedernera ja tinha vindo. E Alcides
Aguilera, Angel Otero, Jose Saule e Victor
Bruno Lattuada, uruguaios. E o paraguaio
Julio Cesar Ramirez, e o peruano Ismael
Soria.e o brasileiro Danilo. E havia os colom
bianos Francisco Zuluaga, Manuel Fandino e
Gabriel Uribe.
Em 1948, a Colombia era longe, longe,
longe. Por isso a gente nao se lembra, nem ha
quern se lembre por nós. Nao fora o caso,
talvez soubéssemos recitar de cor, assim
mesmo em WM: Cozzi; Zuluaga e Raul Pini;
Julio Cesar Ramirez, Nestor Rossi e Ismael
Soria; Reyes, Perdernera, Di Stéfano, Baez e
Reinaldo Mourin.
Carlos Arturo Rueda: foi talvez o maior
nome do jornalismo desportivo colombiano.
Um dia, ao ver o Millionarios bater o Real
Madrid, em Caracas, disse convicto: «Esta
a meihor equipa do Mundo! Um verdadeiro
Ballet Azul!» O nome ficou.
De 1948 a l953,cinco campeonatos con-
secutivos, mais de 100 golos marcados por
época. Os resultados repetiam-se: 5-0,5-1,5-
2. O Ballet Azul tinha uma regra: chegando
aos cinco, entretinha-se o publico. Uma bola
no meio do ballet.
Mas, em 1948, a Colombia ainda era
demasiado longe para a gente saber disso.
Pelo que importante recorda-lo. Di Stéfano
merece. E o futebol também.
- - V.-A:.-.':.